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EDUCAÇÃO ESCOLAR QUILOMBOLA

EDUCAÇÃO ESCOLAR QUILOMBOLA

       Na trajetória da educação no Brasil permaneceu-se nas instituições escolares e nos currículos até a pouco tempo uma concepção de homogeneização da cultura nacional, de negação das diferenças culturais, da existência dos povos indígenas e da cultura afrodescendente. Contudo, mudanças ocorrerem últimos anos, a partir da atuação dos movimentos sociais e profissionais da educação verifica-se uma nova mentalidade nas instituições escolares e medidas institucionais. Mudanças importantes no trato da questão da inclusão e a valorização das diferenças culturais, reconhecimento e protagonismo dos grupos sociais historicamente excluídos.
     A Lei 11.645, de 2008, modificou o texto da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN, lei n° 9394/96), no sentido de incluir nos currículos o ensino da história e da cultura africana, indígena e afrodescendente, nestes termos:
Art. 26-A.  Nos estabelecimentos de ensino fundamental e de ensino médio, públicos e privados, torna-se obrigatório o estudo da história e cultura afro-brasileira e indígena.
§ 1o  O conteúdo programático a que se refere este artigo incluirá diversos aspectos da história e da cultura que caracterizam a formação da população brasileira, a partir desses dois grupos étnicos, tais como o estudo da história da África e dos africanos, a luta dos negros e dos povos indígenas no Brasil, a cultura negra e indígena brasileira e o negro e o índio na formação da sociedade nacional, resgatando as suas contribuições nas áreas social, econômica e política, pertinentes à história do Brasil (BRASIL, 2008).
      Em consonância com as mudanças legais implementadas, o Conselho Nacional de Educação elaborou e publicou as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana (Resolução n°1, de 17 de junho de 2004). O texto das diretrizes instituiu os objetivos da Educação para as Relações Étnico-Raciais e do Ensino da História e Cultura Afro-brasileira:
§ 1° A Educação das Relações Étnico-Raciais tem por objetivo a divulgação e produção de conhecimentos, bem como de atitudes, posturas e valores que eduquem cidadãos quanto à pluralidade étnico-racial, tornando-os capazes de interagir e de negociar objetivos comuns que garantam, a todos, respeito aos direitos legais e valorização de identidade, na busca da consolidação da democracia brasileira.
§ 2º O Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana tem por objetivo o reconhecimento e valorização da identidade, história e cultura dos afro-brasileiros, bem como a garantia de reconhecimento e igualdade de valorização das raízes africanas da nação brasileira, ao lado das indígenas, europeias, asiáticas (CNE, 2004).
       Nas Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação Escolar Quilombola na Educação Básica (Resolução n°8, de 20 de novembro de 2012), do Conselho Nacional de Educação, a modalidade compreende tanto as escolas quilombolas quanto aquelas que atendem os estudantes oriundos de comunidades reconhecidas como território quilombola. Sendo assim entendido o conceito de quilombo:
I - os grupos étnico-raciais definidos por auto-atribuição, com trajetória histórica própria, dotados de relações territoriais específicas, com presunção de ancestralidade negra relacionada com a resistência à opressão histórica;
 II - comunidades rurais e urbanas que:
a) lutam historicamente pelo direito à terra e ao território o qual diz respeito não somente à propriedade da terra, mas a todos os elementos que fazem parte de seus usos, costumes e tradições;
b) possuem os recursos ambientais necessários à sua manutenção e às reminiscências históricas que permitam perpetuar sua memória.
III - comunidades rurais e urbanas que compartilham trajetórias comuns, possuem laços de pertencimento, tradição cultural de valorização dos antepassados calcada numa história identitária comum, entre outros (CNE, 2012). 
     O texto das diretrizes estabeleceu ainda as linhas orientadas da modalidade educacional na Educação Básica:
I - organiza precipuamente o ensino ministrado nas instituições educacionais fundamentando-se, informando-se e alimentando-se:
a) da memória coletiva;
b) das línguas reminiscentes;
c) dos marcos civilizatórios;
d) das práticas culturais;
e) das tecnologias e formas de produção do trabalho;
f) dos acervos e repertórios orais;
g) dos festejos, usos, tradições e demais elementos que conformam o patrimônio cultural das comunidades quilombolas de todo o país;
h) da territorialidade (CNE, 2012).,
      A sociedade brasileira, caracterizada pela diversidade étnica e cultural na sua formação, contudo, permanentemente marcada pela desigualdade de oportunidades de trabalho e educação, pela exclusão social, pela falta de garantias e respeito aos direitos fundamentais, pela visibilidade, reconhecimento e valorização das culturas afro-descentes, indígenas, quilombolas e de comunidades tradicionais, ganhou com as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana e as Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação Escolar Quilombola na Educação Básica instrumentos para transformação do ensino-aprendizagem, contemplando as especificidades da população afro-brasileira e das comunidades quilombolas, valorização da diversidade étnico-racial, da identidade e o combate ao racismo.
      Tratar da Educação Escolar Quilombola nos remete a práticas pedagógicas de um ensino contextualizado, no qual propõe inserir temas voltados para a cultura, os valores e os saberes advindos da própria comunidade, tais como: território, identidade, cotidiano, festas, crenças e religiosidades, direitos, dentre outros. Segundo a resolução Nº 8, de 20 de novembro de 2008, do Conselho Nacional de Educação, que dispõe sobre as Diretrizes Curriculares para Educação Escolar Quilombola na Educação Básica:
Art. 36 Na construção dos currículos da Educação Escolar Quilombola, devem ser consideradas as condições de escolarização dos estudantes quilombolas em cada etapa e modalidade de ensino; as condições de trabalho do professor; os espaços e tempos da escola e de outras instituições educativas da comunidade e fora dela, tais como museus, centros culturais, laboratórios de ciências e de informática.
Art. 37 O currículo na Educação Escolar Quilombola pode ser organizado por eixos temáticos, projetos de pesquisa, eixos geradores ou matrizes conceituais, em que os conteúdos das diversas disciplinas podem ser trabalhados numa perspectiva interdisciplinar.
Art. 38 A organização curricular da Educação Escolar Quilombola deverá se pautar em ações e práticas político-pedagógicas que visem:
I - o conhecimento das especificidades das escolas quilombolas e das escolas que atendem estudantes oriundos dos territórios quilombolas quanto à sua história e às suas formas de organização;
II - a flexibilidade na organização curricular, no que se refere à articulação entre a base nacional comum e a parte diversificada, a fim de garantir a indissociabilidade entre o conhecimento escolar e os conhecimentos tradicionais produzidos pelas comunidades quilombolas;
III - a duração mínima anual de 200 (duzentos) dias letivos, perfazendo, no mínimo, 800 (oitocentas) horas, respeitando-se a flexibilidade do calendário das escolas, o qual poderá ser organizado independente do ano civil, de acordo com as atividades produtivas e socioculturais das comunidades quilombolas;
IV - a interdisciplinaridade e contextualização na articulação entre os diferentes campos do conhecimento, por meio do diálogo entre disciplinas diversas e do estudo e pesquisa de temas da realidade dos estudantes e de suas comunidades;
V - a adequação das metodologias didático-pedagógicas às características dos educandos, em atenção aos modos próprios de socialização dos conhecimentos produzidos e construídos pelas comunidades quilombolas ao longo da história;
VI - a elaboração e uso de materiais didáticos e de apoio pedagógico próprios, com conteúdos culturais, sociais, políticos e identitários específicos das comunidades quilombolas;
VII - a inclusão das comemorações nacionais e locais no calendário escolar, consultadas as comunidades quilombolas no colegiado, em reuniões e assembleias escolares, bem como os estudantes no grêmio estudantil e em sala de aula, a fim de, pedagogicamente, compreender e organizar o que é considerado mais marcante a ponto de ser rememorado e comemorado pela escola;
VIII - a realização de discussão pedagógica com os estudantes sobre o sentido e o significado das comemorações da comunidade;
IX - a realização de práticas pedagógicas voltadas para as crianças da Educação Infantil, pautadas no educar e no cuidar;
X - o Atendimento Educacional Especializado, complementar ou suplementar à formação dos estudantes quilombolas com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e com altas habilidades e superdotação (CNE, 2008). 
       Os artigos mencionados das diretrizes orientam a Educação Escolar Quilombola e descrevem as ações previstas para o desenvolvimento do trabalho escolar, em termos das adequações curriculares, procedimentos metodológicos, da seleção do material didático, da organização das festas e comemorações escolares e do atendimento especializado. Assim sendo, a rede municipal de ensino deve-se organizar e propor o trabalho pedagógico para as escolas oriundas de Comunidades Quilombolas, observando as citadas diretrizes, tendo em vista o reconhecimento e a valorização da identidade cultural do educando a todo momento. Vale mencionar, a importância da formação pedagógica para professores que atuam com esse público, visto que há uma gama de conteúdos propostos pela Base Nacional Comum Curricular (BNCC), contudo, estes conteúdos previstos devem ser trabalhados em sala de aula de forma contextualizada e dialogada, propiciando uma educação que respeite a singularidade presente na comunidade em que a unidade escolar está inserida.
        De acordo com um levantamento feito pela Fundação Cultural Palmares, existem cerca de 1.209 comunidades quilombolas, em quase todos os Estados do país.[1] A modalidade da Educação Escolar Quilombola objetiva promover formação educacional para estudantes moradores de comunidades quilombolas. Levando em consideração as vivências, aspectos históricos e étnicos-raciais dessas localidades. Todavia, a Educação Escolar Quilombola deve ser compreendida como um processo amplo, que inclua a família, a convivência com outros grupos, as relações de trabalho e com o sagrado e as vivências na escola, nos movimentos sociais e em outras organizações da comunidade.
      Diante do exposto, distingue-se a existência de dois processos, por um lado, a educação quilombola, àquela que acontece nas comunidades, por meio do compartilhamento de experiências, conhecimentos e saberes entre todos. Por outro lado, a Educação Escolar Quilombola, que ocorre no ambiente escolar, e que visa um diálogo entre os saberes da comunidade e aqueles definidos pelo currículo. Logo, a Educação Escolar Quilombola, deve partir dos princípios de uma educação integral, isto é, reconhecer o território e a comunidade como parte do processo educativo.
     Uma Educação Quilombola Escolar também deve estar atenta à sua finalidade dentro da comunidade. Quais são os anseios destas crianças e adolescentes? De que maneira a escola faz sentido para os estudantes? Nesse sentido, compreender a relação com o território é vital. Além disso, a escola precisa de uma arquitetura que faça sentido para a comunidade em que está inserida. A merenda escolar deve estar com consonância com a alimentação a qual as crianças e adolescentes estão acostumadas. No dia a dia da escola necessita estar presente as referências aos saberes, as atividades lúdicas, os valores sociais e culturais, os conhecimentos históricos e das atividades produtivas, próprias da comunidade. 
        Identifica-se no município de Caém o público da modalidade da Educação Escolar Quilombola, uma vez que, até o momento existem duas comunidades reconhecidas pela Instituição Palmares como Quilombolas, sendo elas: Bom Jardim, que teve sua certificação em 14 de junho de 2011, e Várzea Queimada, em 15 de agosto de 2014. Portanto, no âmbito da rede municipal de ensino de Caém, as escolas das supracitadas comunidades e outras escolas que recebem estudantes destas comunidades, precisam contemplar no currículo e no Projeto Político Pedagógico (PPP) as especificidades quilombolas. Para isso se faz necessário:
  • Criar diretrizes municipais para Educação Escolar Quilombola;
  • Formação continuada do corpo docente;
  • Inserir na matriz temas que sejam comuns a cultura da comunidade;
  • A elaboração ou reelaboração do Projeto Político Pedagógico (PPP) da unidade escolar;
  • Adequação do calendário escolar as peculiaridades da comunidade, de acordo com a necessidade;
  • Material didático pedagógico próprio que considerem os aspectos sociais, culturais, ambientais, políticos e econômicos locais.
      Por sua vez, as escolas que não possuem o público quilombola, que não trabalham com a modalidade da Educação Escolar Quilombola, precisam garantir o previsto na lei n° 11.645, de 2008, que instituiu a obrigatoriedade do Ensino da História e Cultura Afro-brasileira e Africana e Indígena, no currículo, dos estabelecimentos públicos e privados, evidenciando o protagonismo histórico dos negros e dos povos indígenas, “resgatando as suas contribuições nas áreas social, econômica e política, pertinentes à história do Brasil” (BRASIL, 2008). 
            O referencial Curricular do Município de Caém, atendendo a legislação educacional, optou por adotar o organizador curricular da Base Nacional Comum Curricular e acrescentar Eixos Temáticos, distribuídos em 3 (três) unidades didáticas, do ano letivo, para atender as especificidades das modalidades.

EIXOS TEMÁTICOS POR UNIDADE DIDÁTICA

I UNIDADE DIDÁTICA

 

 Memória e oral da ancestralidade quilombola, contada pela comunidade local, para autoconhecimento, autocuidado, reconhecimento de sua identidade social na perspectiva de valorização do povo negro e combate a todo e qualquer tipo de preconceito.

  

 

II UNIDADE DIDÁTICA

 

Apropriação das diversas manifestações artísticas, culturais e sociais, jogos, brincadeiras, vocabulário, ditados populares, contos, lendas, folclore, festejos, artistas negros na comunidade, no município, na Bahia, no Brasil e no mundo.  Uso das mídias no acesso, registro e na produção das diversas manifestações culturais.


 

III UNIDADE DIDÁTICA

 Movimentos e práticas de emancipação social no campo: empreendedorismo, cooperativismo e associativismo, produção econômica e cultural, comercialização de produtos na perspectiva da qualidade da vida no campo na convivência om o semiárido.


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[1] Educação Quilombola – Escolas. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/educacao-quilombola-/escolas

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